Jovens no divã: da escolha profissional à saída da Universidade

12 Dicas imperdíveis para te ajudar na escolha da profissão*Aula proferida para os alunos do curso de Ciências Farmacêuticas da USP-Ribeirão Preto (FCFRP) em 24 de setembro de 2024

 

É com enorme alegria que venho lhes falar hoje, pois, voltar a esta Universidade que me acolheu tão generosamente entre os anos de 1999 e 2011 em que fiz graduação, mestrado e doutorado, é, uma forma de expressar a imensa gratidão por tudo o que recebi e aprendi, e também de relembrar o quanto fui feliz aqui.

Ao preparar minha fala, indaguei-me o que um psicanalista teria a dizer a jovens estudantes de um curso de Farmácia, que pudesse ser interessante. 

E imediatamente fui me lembrando de cada um dos meus pacientes jovens e jovens-adultos que passaram pelo meu divã em busca de auxílio, seja para atravessarem o angustiante e importantíssimo momento de decisão por um curso, os deliciosos  e difíceis anos na universidade, até o momento vitorioso, mas também difícil, em que a deixavam. 

Falarei, portanto, de tudo o que aprendi e observei nestes anos de atendimento psicanalítico, com estes jovens e jovens adultos em suas buscas por consolidarem suas identidades profissionais e sociais, estabelecendo mais ou menos um quem se é neste mundo. 

Assim, seguindo o mesmo percurso em minha fala, dividirei-a em três tópicos, sendo eles, o momento da escolha de um curso, os anos na universidade e a saída dela. 

Procurarei enfocar em cada um destes tópicos aquilo que é circunscrito ao saber do psicanalista, e que de alguma forma, imagino, poderá ampliar ou trazer insights sobre vocês mesmos, a saber, as ambivalências, conflitos, angústias, perdas e ganhos inerentes à cada uma destas importantes fases da vida. 

A decisão por um curso de graduação

Começo ressaltando que a escolha profissional é um momento crucial da vida, sendo a profissão um elemento constituinte de quem nós somos, para os outros e para nós mesmos. 

Dito isso, o momento da escolha por um curso, que os adolescentes costumam fazer entre os dezessete e dezenove anos, tende a ser de grande intensidade emocional para eles, pois, se de um lado muitos tendem a se sentir despreparados e imaturos para fazê-lo, de outro, alegram-se ante a primeira perspectiva concreta de se sentirem, num futuro próximo, mais autônomos e independente dos pais. 

Determinarão aqui a maior satisfação do adolescente com este momento, coisas como ter tido ou não o apoio dos pais, estar bem informado sobre sua escolha, sobre o mercado de trabalho e sobre suas inclinações vocacionais e não se sentir pressionado nem inibido em relação às próprias inclinações.

Assim, do ponto de vista psicanalítico, considera-se o momento da escolha profissional angustiante e difícil para o adolescente, haja vista as inúmeras incertezas que ele experimenta em relação a si mesmo e ao futuro. 

Início de um longo percurso de construção do si mesmo, que o jovem só terminará de firmar cmo a chegada da vida adulta.

Os anos de graduação

Os anos de graduação são marcados, em geral, por uma fase de intensa socialização, promovida tanto pelo clima universitário quanto pelo intenso contato com os colegas. 

Também difere a experiência dos jovens adultos que cursam universidade residindo na casa dos pais, dos que os que deixam sua cidade natal, rompimento familiar que estimulará ao jovem se lançar na instigante descoberta de si mesmo, longe do controle vigilante dos pais. 

 Jovens em fase de graduação costumam buscar o psicanalista  quando não conseguem se socializar com colegas, por excessiva timidez, insegurança ou rigidez moral, por dificuldade de se separar dos pais ou então por dificuldades acadêmicas.

Outros motivos ainda são uso abusivo de álcool e outras drogas, conflitos ligados à identidade sexual e, mais recentemente, vício em redes sociais e jogos. 

Outra percepção minha é que os primeiros anos de graduação tendem a ser mais difíceis em relação aos últimos, graças à progressiva adaptação do jovem à instituição escolar, com suas regras próprias, e pelo aumento de identificação com o curso, que tende a ir progredindo ano a ano, quando o jovem está convicto de sua escolha. 

Abandonos e transferências de curso também costumam ser decisões muito difíceis, causadoras de alívio ou angústia a depender da situação. Neste último caso, em grande parte pelo sentimento de fracasso.

Finalizando, considera-se os anos na universidade como de intensos contrastes, pois, de um lado, vê-se neles “os melhores anos da vida” com sua liberdade máxima em um espaço relativamente protegido das duríssimas responsabilidades da vida adulta. 

E de outro, vive-se nele momentos bastantes solitários, repleto de angústias, indefinições e inseguranças próprias da idade, que o jovem quase sempre sofrerá em segredo. 

Formatura e saída da universidade marcarão o término deste período de intensas transformações e aprendizagens, delimitando a passagem da juventude à vida adulta, momento que pode ou não ser acompanhado por estados de luto.

Momento de hiato no qual a identidade antiga foi perdida, sem que a nova já tenha se estabelecido. 

A saída da universidade  

O desligamento da universidade que pode se dar logo após a formatura ou uns anos após, em cujo marco se tem o primeiro emprego, costuma ser, ao mesmo tempo, de euforia e luto. O  que os estágios fora da universidade costumam aplacar um pouco, por ser uma espécie de ponte entre a antiga vida juvenil e a nova vida adulta.    

Formando-se, perde-se o contato com os amigos e colegas, as idas às festas e a identidade estudantil. Muitos, inclusive, têm que retornar, por escolha ou falta de opção, a residir na casa dos pais. 

É a primeira vez, portanto, que se experimenta cruamente que se está envelhecendo e adentrando para sempre “na engrenagem do sistema”, algo que os muito jovens ainda sonham um dia poder driblar. 

Sobre isso, o escritor francês Michel Houellebecq, em seu extraordinário livro “Submissão” de 2015, retrata assim a perda da vida estudantil:

“As ocasiões de socialização, tão frequentes na vida estudantil, desaparecem ao se entrar na vida profissional, mergulhando os seres humanos numa solidão tão espantosa quanto radical.”

Esta solidão da vida adulta, penso eu, não se deve ao fato de que o adulto não terá mais pessoas por perto, mas porque as relações adultas tenderão cada vez a se adequar aos códigos de etiqueta social. Diferentemente das relações juvenis, marcadas pela descontração e espontaneidade do puro instante presente. 

Isso é a tal ponto verdadeiro que muitas sólidas amizades feitas na universidade tenderão a se esfriar com o passar dos anos, na medida em que os amigos, por exemplo, se casam e têm filhos.  

As necessidades afetivas tenderão agora ser satisfeitas com o parceiro amoroso, sendo precisamente no início da vida adulta que casais mais duráveis tendem a se formar, protegendo as pessoas do sentimento de solidão que começará a se intensificar com o fim da vida adulta e chegada da meia idade. 

 Apesar disso, segundo meus pacientes jovens, em tempos de Tinder tem sido cada vez mais difícil encontrar alguém, em parte, segundo eles, pelo excesso de oferta, que sempre deixa as pessoas perdidas e confusas.   

 Finalizando, a fase pós-universidade é o tempo de vida no qual o jovem adulto ganhará experiência, se especializará e trabalhará bastante, firmando-se no mercado de trabalho e em sua identidade profissional, na qual se estabelecerá pelos próximos anos.  

Considerações finais

Meus vinte anos ouvindo jovens e adultos no divã me levaram a concluir que o conflito entre as gerações, que sempre existiu e vai continuar existindo, decorre, da parte do jovem, de sua tendência a ser muito crítico e até cruel com os mais velhos, a começar pelos pais. E, da parte de nós adultos, de que nos esquecemos muito facilmente que também fomos jovens um dia. 

Lembro-me sobre isso de um pai que analisei, extremamente crítico e severo com o filho adolescente, em quem se descobriu que sua severidade devia-se ao fato dele próprio ter sido viciado em bebidas quando jovem, o que ele temia também acontecer com o filho. 

Assim, não existe imparcialidade nos nossos julgamento, nossos preconceitos sendo quase sempre a gente fugindo das nossas próprias sombras. 

Outra conclusão que extraio da minha clínica é que a revolução digital que se operou entre 1990 e 2010, cujos impactos se seguem até hoje têm trazido consequências psicológicas e sociais que ainda não somos capazes de avaliar muito bem, o que talvez só possamos fazer num futuro distante. 

Dentre elas, citam-se quadros de grave isolamento social e afetivo pelo uso excessivo de internet e redes sociais, aumento significativo das depressões, tentativas de suicídio e os atuais self cuttings, prática em que o jovem se automutila, o que eu não via no consultório há dez ou quinze anos atrás.  

Além destas, transformações mais estruturais dizem respeito aos valores éticos destes jovens em relação a seus pais. 

Por exemplo, jovens na faixa dos 20 aos 30 anos demonstram não almejarem acumular bens, dinheiro e ter uma carreira estável, preferindo a isso coisas como viajar, cuidar do planeta  e viver com menos; também observo neles que desejam cada vez menos fundar famílias e deixar descendentes, considerando imoral, por exemplo, “ter filhos só por ter”. E por fim, problematizam duramente os papéis de gênero tradicional, homem-mulher, preferindo a estes, formas de identificação mais fluídas. 

À que sociedade tais mudanças de valores levarão, só o correr do tempo vai dizer.

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