Outro dia falava sobre o amor em sala de aula e fiquei surpresa com a descrença de meus jovens alunos neste sentimento tão sublime e belo. Perguntavam-me eles se o amor ainda existe porque em suas concepções, o amor, principalmente entre os casais, é item em extinção.
Tranquilizei-os dizendo que o amor existe sim entre casais, mas, acrescentei, que para experimentá-lo é preciso tolerância, maturidade e muito amor.
Para amar é necessário….amor:
Pode parecer redundante dizer que para experimentar o sentimento amoroso numa relação a dois é necessário muito amor, mas não é. Vejo hoje muitos casais desistindo facilmente de uma relação, sobretudo nos momentos em que o outro “não corresponde exatamente aquilo que eu desejo”. Este é um grande problema e é por isso que este sentimento tão sublime é difícil de ser atingido e requer uma alta dose de maturidade emocional.
O fato é que não existe nenhuma relação, e isso inclui uma relação amorosa, em que o outro vai corresponder exatamente às minhas expectativas e não vai me frustrar nunca. Acredito que existe uma grande idealização em torno de uma relação amorosa e, sobretudo, do casamento. Acho que muitas pessoas imaginam que, ao se casarem ou ao construírem uma relação estável com alguém, nunca mais se sentirão sós, inseguras ou incompletas. Elas passam a acreditar numa espécie de ilusão – a de que se eu tiver alguém sempre ao meu lado, nunca mais terei que me deparar com estes sentimentos humanos tão incômodos.
A nossa incompletude é inerente à condição humana:
O problema (e isso nem é um problema) é que estes “sentimentos incômodos” são constitucionais de todos nós e o casamento, uma amizade ou mesmo filhos não podem ser vistos como antídotos que vão, finalmente, nos fazer ficar livre destas dores.
Acho que muitas vezes podemos cair na armadilha de buscar uma parceira amorosa, um filho, uma amizade ou um trabalho para evitarmos nos deparar com quem de fato somos – com nossas incompletudes, imperfeições, frustrações e limitações e aí fica fácil porque passamos a culpar o outro por tudo o que nos falta.
O que significa, verdadeiramente, amar alguém?
Mas, voltando à questão do amor, o que significa verdadeiramente amar alguém? Segundo Klein, o verdadeiro sentimento de amor deriva da capacidade de suportarmos ficar na posição depressiva que nada mais é do que percebermos que aquela mesma pessoa que nos frustra é aquela que nos traz imensas alegrias.
Outro aspecto inerente à posição depressiva liga-se à possibilidade de a pessoa poder se responsabilizar pelos seus próprios sentimentos, inclusive, os sentimentos de raiva e de ódio. Isso implica numa grande conquista em termos do desenvolvimento porque, conquistada esta condição, eu não preciso mais dizer que é o outro que esta estragando o meu dia, mas eu posso dizer que são os meus sentimentos (o meu ódio, a minha raiva, a minha dor) que está estragando tudo naquele momento.
Vale ressaltar que esta condição interna “sublime” não é conquistada e nunca mais perdida, mas, é perdida e (re) conquistada a cada momento da nossa vida.
Então, eu acredito que poder amar verdadeiramente alguém implica, em primeiro lugar, em reconhecer que aquela pessoa que eu amo e que me alegra o dia irá, inevitavelmente, me frustrar em outro momento. Ou seja, implica em não idealizar esta relação. Em segundo lugar, amar alguém (não como criação minha, mas como alguém diferente – uma alteridade) implica em eu poder me responsabilizar “pela dor e pela delícia” de ser quem eu sou.
Outro dia, só para me distrair, estava assistindo a um filme estilo comédia romântica americana chamado “Não sei como ela consegue”. A estória é simples e banal: uma mulher moderna casada com um homem compreensivo e amoroso, bem sucedida e com dois filhos. Está no auge da carreira e exatamente por isso imensamente culpada e dividida entre família e trabalho. Eis que ela conhece seu novo chefe: um homem jovem, belo e SOLTEIRO. Ou seja, representação de tudo o que ela almejava naquele momento, simplesmente porque era completamente diferente de sua realidade familiar caótica e cheia de conflitos.
A escolha de Sofia:
Esta é a escolha de Sofia – escolherá ela, iludida pelo aceno de uma vida perfeita e feliz, pelo prazer de estar ao lado de um homem jovem, belo e solteiro? Ou conseguirá perceber que esta escolha se trata muito mais de uma ilusão já que, na medida em que este homem perfeito, belo e solteiro virar seu namorado ou marido, grande parte dos conflitos vividos anteriormente vão ressurgir porque assim é a vida?
Ainda bem que o autor foi coerente e permitiu à mocinha escolher a realidade e não uma ilusão. Deve ser por isso que todos os contos de fada terminam exatamente no momento em que o príncipe encontra a princesa – linda, penteada e cheirosa – e a estória termina com um belo FELIZES PARA SEMPRE.
Felizes para sempre?
Mas, será que se a estória continuasse, esta ilusão conseguiria se manter? Penso que não. Penso que aí teríamos que nos deparar, inevitavelmente com uma princesa com olheiras, cansada e às vezes muito estressada e um príncipe que às vezes ronca, às vezes solta pum e outras tantas adora ver o futebol no momento em que a princesa quer discutir a relação.
Poderíamos começar a pensar em reivindicar estórias infantis com finais mais reais ou pelo menos começar a discutir com nossas crianças que a realidade é muito diferente dos contos de fadas, pois, aí, com certeza, teríamos adultos muito mais preparados para lidar com a realidade, que é sempre “mais ou menos daquilo que nós queremos, pois, só nós somos iguais a nós próprios, como diria Fernando Pessoa.
Muito bom o texto!
Olá Laís, muito obrigada pelo elogio. E sinta-se à vontade para fazer comentários e visitar o blog quantas vezes desejar. Abraços a você.
Você escreve coisas lindas e, justamente por isso, falsas.
A regra que reina entre os casais hoje é usar o outro e fingir que não se sente nada. Não há mais retorno: o amor irá desaparecer porque, psicologicamente, não somos mais os mesmos do passado.
Olá,
Não sei seu nome e não costumo responder a todos os vários emails que recebo.
Mas o que escreveu me tocou profundamente, pois não posso imaginar nada mais triste e melancólico para um ser humano do que viver tendo perdido a capacidade de amar. Não sei o que aconteceu com você para chegar a tal ponto de descrença, mas sinto muitíssimo que isso tenha acontecido.
Se o que eu escrevi mexeu tanto com você é porque ainda há uma esperança, uma luz no fim do túnel. Pois, lembre-se de que o ódio não é a ausência de amor, mas amor ferido.
Concordo com você que os seres humanos são capazes de terríveis crueldades, mas também são capazes de gestos nobres e bons.
No fim das contas, está nas mãos de cada um de nós, pagarmos o mal com o mal, como na lei primitiva de Talião “Olho por olho, dente por dente”, ou retribuirmos com compaixão o mal que nos foi causado.
Talvez você pense que quem faz isso é fraco e está se humilhando. E que esperto mesmo é se vingar, pagar na mesma moeda. Muitos de meus pacientes, ainda muito doentes, pensam isso também, mas esse é um jeito torto e ruim de ver as coisas.
Afinal, não se esqueça de que o peito de um homem injusto e mal nunca poderá alcançar a alegria porque sua consciência é pesada, ao passo que o injustiçado, que não pagou o mal com o mal, poderá gozar de sua consciência tranquila, que é a máxima felicidade que se pode ter nesta vida.
Então, pago a sua insolência comigo (porque sei que não é de mim que tem raiva), com o meu carinho e a minha torcida sincera pra que você encontre o si mesmo.
Forte abraço,