A vida tem uma necessidade férrea por existir e impõe duras provas ao corpo que a hospeda.
É o que tenho aprendido nestes últimos anos acompanhando mulheres grávidas que se deitam em meu divã.
São enjôos, cólicas, cansaço, sono, alterações cognitivas e metabólicas que as grávidas enfrentam, sobretudo no primeiro trimestre da gestação; sintomas naturais provocados pela reação de adaptação do organismo materno ao novo hóspede.
Na contramão disso, o ditame de que a gravidez é sempre uma dádiva, faz com que muitas mulheres se sintam culpadas por não estarem gostando de passar mal.
Sentimentos variados
Sobre isso, conforme observei em minha clínica, os sentimentos são variados, havendo mulheres que gostam de estar grávidas, enquanto outras julgam a gravidez um momento fisicamente difícil e de grandes restrições.
Outro sentimento comum é o estranhamento em relação ao feto.
Do ponto de vista psicanalítico, engravidar pode ser uma vivência estruturante ou desestruturante para o psiquismo de uma mulher, a depender das experiências precoces de cada uma.
Observa-se, nesse aspecto, que mulheres que passam melhor durante a gravidez tendem a gostar mais de estarem grávidas, o oposto disso sendo também verdadeiro.
Apesar disso, ainda se observa ideias como enjôos “significando rejeição ao feto” e coisas do gênero, como se não gostar de estar grávida significasse um indicativo futuro de que a mulher não iria gostar de ser mãe.
Em minha clínica, tal correlação não se mostrou correta, na medida em que três ou quatro pacientes minhas não gostaram da gravidez, embora hoje gostem muito de ser mães.
Interpretações deste tipo evidenciam o quão submetidas à culpa se encontram as mães, graças às expectativas irrealistas e ingênuas que circulam sobre a maternidade.
Sobre isso, penso que o máximo que se pode afirmar é que mulheres que desejam muito uma gravidez, talvez estejam melhor preparadas para suportar seus incômodos, embora também seja verdade que, quanto mais as mulheres tendem a idealizar a maternidade, mais propensas estarão a se frustrar com ela.
As restrições impostas pela gravidez
Dentre as restrições impostas pela gravidez, cita-se: não poder tomar quase nenhuma medicamento, não poder tingir os cabelos, ter que restringir café e bebida alcóolica, ser forçada à imobilidade por longos períodos, graças à uma gravidez de risco, e, por fim, mas não menos importante, ser lançada à força no “tedioso mundo das grávidas” (sic) onde só se fala de bebês e do amor incondicional a eles.
Outra situação incômoda bastante descrita é sentir-se vigiada em relação à saúde pelo companheiro, parentes, médicos e outras grávidas, perdendo-se a autonomia frente o próprio corpo.
Fatores de conexão ou desconexão com o feto
Observei sobre isso que se as mulheres relaxam e aceitam, sem julgarem-se severamente, que podem não estarem gostando da gravidez, o sentimento de conexão com o feto naturalmente tende a começar a aparecer.
Outros fatores que propiciam o paulatino crescimento de conexão com o feto é o crescimento da barriga e o aumento dos momentos interativos com o bebê, por exemplo, nos ultrassons e com o bebê chutando.
Já mulheres que fantasiam uma gravidez e maternidade idílicas tenderão a se frustrar e ter dificuldade de se conectar com o feto.
A persistência de tal idealização depois do parto, dificultará à mulher, por exemplo, sentir-se autorizada a experimentar cansaço e irritação, sentimentos negativos que ela procurará supercompensar sendo a mãe perfeita, e exigindo, de volta, um bebê perfeito. Ou, no outro extremo, exacerbarão seus sentimentos de raiva, culpabilizando o bebê por isso.
Maternidade ética
De outro lado, conforme tenho observado, encontra-se genuíno prazer na geração e cuidado de uma vida em mulheres que já percorreram algum amadurecimento interno no sentido da elaboração posição depressiva, que lhes dotam de uma inquebrantável capacidade de tolerância e fé na vida, além da competência para experimentarem ternura e compaixão por tudo o que é vivo e estranho a si, o que inclui um filho, mas não só.
Esta perspectiva aponta para uma maternidade ética, na medida em que a mãe é capaz de transcender as limitadas fronteiras de seu amor narcísico pelo filho, que mesmo saído dela, nunca será completamente seu, nem capaz de amá-la na mesma medida que ela o ama.
Tal falta de reciprocidade na relação entre eles ocorre porque a dependência extrema do filho pequeno em relação à mãe é tão perturbadora que o força, assim que possível, a se afastar dela com ódio, na mesma medida do seu amor.
Assim, quanto mais a mãe puder conhecer este aspecto ingrato da maternidade, mais ajudará seu filho a se desligar dela, pois não verá nele um devedor.
Considerações finais
Finalizando, sobre aquelas que engravidam sem contar com tal amadurecimento prévio, é trabalho do psicanalista, por exemplo, ajudá–las a discriminar que estar grávida/ter um filho e “gostar de ser mãe” são coisas distintas entre si.
Pois, enquanto procriar é um ato biológico, o “gostar de ser mãe” dependerá da maior ou menor capacidade do cuidador primário de suportar os duros encargos, físicos e psicológicos, que a dedicação exclusiva ao pequeno humano requerá nos primeiros tempos de vida.
*Dedico este artigo à todas as minhas pacientes, com quem sempre aprendo tanto.