Crescer, do ponto de vista mental, não é inevitável! Crescer, do ponto de vista físico, é.
Todos os anos nós fazemos aniversário e ficamos mais velhos. Mas, não necessariamente, ficamos mais sábios, crescidos e amadurecidos do ponto de vista mental.
Por que isso acontece? Ou seja, por que o crescimento mental não avança na mesma medida que o nosso crescimento físico ou que o correr dos anos?
Em poucas palavras, porque crescer implica em suportar a dor, esta sim, inevitável do processo.
Mas, o que quero dizer com crescer do ponto de vista mental?
Significa, em primeira instância, podermos realizar o luto pela nossa identidade infantil. Implica em conseguirmos tolerar a realidade sempre mais ou menos frustrante, complexa, inexata e contraditória que nos abarca. Implica em nos responsabilizarmos pelas nossas escolhas e não mais culpabilizarmos terceiros por elas. Implica em conseguirmos olhar o mundo de maneira mais realista e menos cor de rosa, mas também menos preto e branco.
Crescer implica, portanto, em suportarmos a dor de crescer. A de nos lançarmos no desconhecido, em ousarmos termos pensamentos que nunca foram pensados, em nos diferenciarmos dos nossos pais externos e internos, para podermos ter alguma mente própria.
Implica em olharmos o mundo com alguma autoria de pensamento e nos responsabilizarmos por ele. Implica em suportarmos doses às vezes altas de culpa, pelo fato de nossos entes queridos não terem tido a mesma coragem de crescer, os mesmos entes que muitas vezes irão nos olhar com um misto de desdém e inveja e dizer: você pensa muito!
Implica também em suportarmos altas doses de inveja alheia pelo nosso crescimento genuíno e espontâneo. E também a de suportarmos a nossa própria inveja pelo nosso crescimento.
Por fim, implica em suportarmos enxergar o fato de nós seres humanos, apesar de sermos sociais, somos sempre absolutamente sós e isso é, obviamente, um grande paradoxo para o qual não há resolução.
Então, vocês devem estar a se perguntar: Por que crescer, então? Se vou ter que suportar doses tão grandes de dor, pra que?
É verdade! Crescer é, de fato, uma escolha e não algo inevitável! É possível fazermos a escolha, mais ou menos consciente, de não crescermos, mas (e este é outro paradoxo da vida), quem pensa que com esta escolha estará evitando a dor tão temida se engana. Porque a escolha de não crescer, não é menos difícil que a de crescer.
A escolha de não crescer é sempre desastrosa. Não sei muito bem explicar porque, mas eu penso que existe algo no ser humano que o impulsiona ao crescimento, no limite daquilo que cada um pode chegar, e quando se trai esta ordem natural das coisas, o preço a ser pago é muito, muito alto. É como se estivéssemos traindo a nossa própria natureza.
Vocês já pensaram se Freud, por medo de suportar a dor de pensar coisas tão incríveis e inéditas como pensou, relutasse e não fundasse a Psicanálise? Que culpa ele sentiria por não ter usufruído de todo o potencial de sua mente? E certamente, ele teria uma grande conta com a humanidade… Ainda bem que ele foi corajoso o suficiente.
Crescer implica, portanto, em suportar a dor de se diferenciar. Não crescer implica em gerar sofrimentos terríveis, angústias sem nome, já que quando se decide não crescer, o que se ataca é a própria mente – a única que nos serviria para pensar o que está havendo e dar nome aos bois.
Então, a dor do crescimento não é cega. É sábia, astuta, clara e límpida. Eu sei por que estou sofrendo, porque estou enxergando com toda a minha capacidade de enxergar a realidade. É como uma velha sábia que nos norteia, com astúcia e compreensão profunda da vida.
O sofrimento do não crescimento é cego, surdo e irracional. Este sofrimento não serve para nos orientar, como a dor, porque ele funciona como um touro bravo, desgovernado. Ele não auxilia o pensar, como a dor.
O sentimento que move os poetas a criar coisas belíssimas e os pensadores e terem pensamentos próprios é a dor e não o sofrimento, embora as pessoas costumem se enganar com relação a isso. O sofrimento não cria nada. Só destrói porque ele é filho de uma escolha de morte – a do não crescimento, da estagnação mental.
Mas, vocês devem estar a se perguntar: o que isso tudo tem a ver com a família? Afinal, não estamos discutindo questões familiares?
Isso tudo tem a ver com famílias sim. Vou explicar por que.
Quando somos mais jovens julgamos nossos pais e dizemos a eles que não nos ensinaram o caminho das pedras (leia-se: não nos ensinaram como viver sem sentir dor). Depois, passamos a reconhecer que eles também não tinham o caminho das pedras e que, muitas vezes, pela impossibilidade de suportarem a dor do crescimento, eles próprios se perderam pelo caminho e não sabem mais onde ele está. Muitas vezes, eles já desistiram de encontrá-lo ou porque se acham muito velhos e sem tempo mais para serem felizes ou porque, de fato, têm poucas condições internas de suportar as agruras do desenvolvimento.
Em termos ideais, seria maravilhoso pensarmos em uma família em que se pudesse valorizar o pensamento independente, o julgamento próprio das ideias, o livre debate de opiniões, em que os pais estimulariam o crescimento e independência emocional dos filhos e que este desprender-se não trouxesse angústia a eles. Mas, isso faz parte do ideal e não do real.
O que vemos muitas vezes é que os pais se apegam aos filhos exatamente para não terem que lidar com a dor de estarem vivos, esta mesma que estou tentando descrever aqui! Então, quando os filhos fazem movimentos no sentido de crescer, este crescimento é sentido como ameaça: O que vou fazer sozinha, eu e meu marido, sem o meu filho querido?
Isso implicaria, obviamente, em rever escolhas e sentimentos: Como anda meu casamento? Eu estou realmente feliz? O que fiz com minha vida até o momento? E por aí vai…
No geral o que vemos então é um jogo de culpas: você não cresce e eu também não. Afinal, eu fiz tanto por você! Ficamos todos aqui, imersos no sofrimento, em um pacto terrível de morte e destruição. Só para não termos que lidar com a dor de estarmos vivos e não termos que nos implicar no processo (sempre individual) de crescer!
Isso é muito sério e penso ser um dilema universal!
Mas, crescer também implica em perdoarmos nossos pais pelo que eles puderam e pelo que eles não puderam fazer. Implica também em constatarmos que o crescimento é sempre uma escolha individual. Obviamente, um ambiente livre de culpas em que cada um possa suportar sua quota de dor na difícil tarefa de estar vivo, auxiliaria e muito.
Mas, no final das contas, a conclusão é esta: cada um de nós tem sempre a responsabilidade individual de abrir o caminho das pedras por si mesmo. E isso não é culpa de ninguém. A vida é assim!
Então, que possamos quotidianamente fazer a escolha corajosa de abrirmos o caminho das pedras, para podermos traçar nossa própria rota. Obviamente, ficaremos cansados nesta difícil e incansável tarefa que, acreditem, não tem fim. Quando isso acontecer, sugiro que se sentem em uma sombra pelo caminho. Se não houver sombra, tratem de plantar uma árvore.
Então, mãos à obra! Trabalhemos arduamente para podermos acolher a dor inerente à vida. Por que sem trabalho duro nesta vida nada de verdadeiro e sólido pode ser construído.
O oásis tão sonhado e desejado não existe. Aquele lugar em que um dia poderemos descansar e relaxar da labuta da vida… Este? Só na morte!
E se pudermos questionar e enxergar com muita profundidade estas verdades da vida, a trajetória ficará menos árida e o transitar pelo caminho (das pedras) poderá ser mais prazeroso e cheio de boas surpresas.
Por que, afinal, nem só de dor é feita a vida. Não é?
Para terminar, presenteio-os com um texto lindo da Clarice Lispector, presente de uma querida amiga minha, e que tem tudo a ver com estas reflexões:
Tenho em casa uma pintura do italiano Savelli – depois compreendi muito bem quando soube que ele fora convidado para fazer vitrais no Vaticano.
Por mais que olhe o quadro, não me canso dele. Pelo contrário, ele me renova. Nele, Maria está sentada perto de uma janela e vê-se pelo volume de seu ventre que está grávida. O arcanjo, de pé ao seu lado, olha-a. E ela, como se mal suportasse o que lhe fora anunciado como destino seu e destino para a humanidade futura através dela, Maria aperta a garganta com a mão, em surpresa e angústia.
O anjo, que veio pela janela, é quase humano: só suas longas asas é que lembram que ele pode se transladar sem ser pelos pés. As asas são muito humanas: carnudas, e o seu rosto é o rosto de um homem.
É a mais bela e cruciante verdade do mundo.
Cada ser humano recebe a anunciação: e, grávido de alma, leva a mão à garganta em susto e angústia. Como se houvesse para cada um, em algum momento da vida, a anunciação de que há uma missão a cumprir.
A missão não é leve: cada homem é responsável pelo mundo inteiro.
Clarice Lispector.