Perguntei a um viajante solitário o que tinha visto de mais lindo em sua última viagem, feita com pouquíssimos recursos civilizatórios, ao que ele respondeu, mais rápido que um foguete: “as flores do deserto do Atacama”.
Diante de sua resposta rápida, fiquei intrigada. Gostaria de saber o que havia deixado o meu interlocutor tão deslumbrado e por isso perguntei o que tinha de tão especial nestas flores, ao que ele me disse: “Elas nascem no meio do nada. Buscam água de onde podem, ou seja, da atmosfera, que é o único lugar onde este recurso existe lá. Aquilo é um mar de nada, e de repente, lá estão elas, lindas, perfeitas, em lugar absolutamente insólito à vida onde de dia faz quarenta graus e à noite, um frio abaixo de zero. Não é incrível isso? ”
Sim, é incrível meu querido e sábio interlocutor. Fiquei pensando sobre aquela beleza bruta no meio do deserto, queria poder imaginá-la com suas cores e formas, cria-la com os meus próprios sentidos e com o meu próprio coração, que são os únicos lugares a partir dos quais podemos realmente ver algo. E então me perguntei.
Por que estas flores fascinaram tanto nosso viajante solitário? Penso que o seu fascínio é que olhando para elas, no meio do nada, naquele clima insólito e pouquíssimo propício à vida ele avistou a si mesmo.
Cada um de nós é como a flor do deserto do Atacama. Nascemos em um mundo inóspito à vida; somos sobreviventes em um mundo hostil à nossa fragilidade. Precisamos lutar como bravos guerreiros para florescer a cada nova estação, buscar recursos no mais fundo da gente mesmo, fincar nossas raízes o mais profundamente que pudermos; precisamos sobreviver à cada manhã escaldante e à cada noite gelada de solidão, e tudo isso por nossa própria conta.
E ainda depois, precisamos suportar deixar as folhas velhas caírem, fazer o luto pela sua beleza passageira, deixar murchar e deixar partir aquilo que não nos serve mais e aguardar paciente e vigilantemente a próxima nova floração, que nós nunca sabemos muito bem quando será.
Este percurso é extremamente perigoso porque a desesperança e a revolta diante de tanto trabalho, para fazer parir uma beleza tão efêmera, pode amarelar o coração do homem; também pode deixá-lo preguiçoso, estéril e incapaz de sentir o milagre quando ele se aproximar; outro perigo ainda do percurso é a pressa: querer fazer brotar a flor antes da hora, não respeitar o tempo da natureza das coisas.
Há tantos perigos que ameaçam as flores do deserto do Atacama, e ainda assim elas estão lá: lindas e vivas. Radiantes com suas cores vibrantes em um lugar tão solitário e tão devastador à vida.
Antes de fazer esta viagem, meu nobre viajante me disse que estava em busca de algumas respostas. Tudo me faz pensar que ele as encontrou lá, exatamente lá onde seus olhos pousaram sobre a beleza das flores do deserto do Atacama fazendo seu coração quase explodir de tanta alegria e beleza.
A resposta, caro viajante, está nas flores do deserto do Atacama.
A vida sofre tantas e tão sérias ameaças, há tantos perigos à espreita, sobreviver é tão difícil e custoso, mas, no fim, no final de tudo, quando quase já estamos exaustos de tanta desesperança, a vida, esta vidinha de nada, esta vidinha linda de morrer, explode dentro do nosso peito, fazendo com que aquele instante, aquele mínimo instante, tenha valido pela vida toda!