Comentários sobre o filme “The dangerous method” (O método perigoso)

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O filme “O método perigoso” tem como proposta mostrar ao telespectador alguns momentos da turbulenta vida de Carl Gustav Jung (interpretado por Michael Fassbender), sua relação amorosa mantida com sua paciente Sabina Spielrein (Keira Knigthley) e a turbulenta e intensa relação com o seu mestre Sigmund Freud (Viggo Mortensen).

O filme é bem fiel aos acontecimentos e aos fatos ocorridos: retrata o encantamento mútuo de Freud e de Jung quando se encontraram pela primeira vez (encontro que durou treze horas de conversa ininterrupta) bem como o método “criado” por Jung no Hospital Burgholzli dirigido por Bleuler denominado pelo último de método de associação verbal  (solicita-se ao paciente que diga em qual palavra pensou ao ouvir o estímulo sonoro de uma palavra, por exemplo, casa). Foi este método que o levou à Psicanálise.

Apesar disso, surpreendentemente ao final do filme, o diretor descreve Jung como “o maior psicólogo do mundo”, algo que é no mínimo curioso, pois retira de Freud todos os créditos por ter, ele próprio, sido o grande autor e “descobridor” de uma das formas mais revolucionárias de pensar a mente humana!

O encontro de Jung com Freud e suas divergências

Em 1906 Jung enviou ao Freud os seus estudos diagnósticos de associação, que dariam origem a um longo tempo de correspondência entre eles (ao todo foram 359 cartas trocadas!). Só que desde o início Jung não concordava com todos os preceitos freudianos, particularmente o postulado freudiano central de que era a sexualidade infantil que produzia as neuroses.

Além disso, Jung  era inclinado ao espiritismo e às forças ocultas, algo que Freud desconsiderava completamente por não fazer parte dos ditames da Ciência.

No caso de Freud (e isso fica bem retratado no filme), o encantamento por Jung (e até mesmo uma certa idealização deste no início) se deu porque Freud via nele a possibilidade de retirar a Psicanálise do gueto judeu. Ele era, portanto, tido como um filho que seria responsável por disseminar a Psicanálise fora do âmbito vienense.

Entre 1907 e 1909 Jung assume a causa Psicanalítica e funda a Sociedade Sigmund Freud de Zurique. Além disso, neste período, ele atendeu o conturbado paciente Otto Gross, viveu a intensa paixão pela sua paciente Sabina e acompanhou Freud em sua viagem aos EUA, períodos que são retratados no filme com alta dosagem dramática.

O círculo de Viena

Desde 1907 Freud passou a se reunir nas reuniões de quarta-feira com Jung, Ferenczi, Abraham, Rank, Sachs, Adler e Steckel formando o conhecido Círculo de Viena. Neste grupo, que se reunia todas as quartas-feiras na sala de espera do consultório do Freud, discutiam-se as ideias nascentes da Psicanálise de forma calorosa e estimulante.

 O rompimento entre eles

Só que em 1912 o conflito entre eles se evidencia com a publicação de “Metamorfoses da alma e seus símbolos”, livro em que Jung desconsidera completamente a teoria da libido de Freud. Mas, a “gota d´água” foi mesmo o fato de que Freud não ter passado na residência de Jung ao visitar Ludwing Binswanger, operado de um tumor maligno (a residência de Jung ficava a somente cinquenta quilômetros da de Ludwing). Jung interpretou isso como uma ofensa e a relação entre eles se tornou cada vez mais tensa.

Seu rompimento com Freud culminou na criação de sua psicologia analítica, pretendendo com esta denominação sublinhar que a psique não tinha nenhum substrato biológico (como pensava Freud). Mas foi sobretudo com a criação do conceito de arquétipo que Jung se afastou para sempre das concepções freudianas.

Sabina Spielrein

Já Sabina Spielrein permaneceu muito tempo esquecida na história da Psicanálise. Esta psicanalista russa, responsável pela elaboração da noção da pulsão destrutiva e sádica, envolveu-se como paciente com Jung conhecendo na pele o princípio da transferência.

Nesse sentido, apesar do título do filme ter um apelo um tanto quanto dramático (“O método perigoso”) penso que ele traz à tona uma discussão central à Psicanálise: quando o terapeuta fica envolvido nas tramas da repetição transferencial do paciente sem poder pensá-las. No caso de Sabina, Jung não foi capaz de ligar os seus sentimentos revoltosos e apaixonados mantidos por ele com a sua experiência apaixonada / traumática vivenciada com seu pai na infância. Desta forma, Jung não foi capaz de ajudá-la a transformar esta repetição transferencial, embora Freud o tenha alertado várias vezes sobre isso.

Afinal, o método psicanalítico é perigoso? Pra quem?

Então, de fato, o método psicanalítico é perigoso? Eu diria num certo sentido sim, pois, é inegável que o analista irá lidar com as forças altamente explosivas / sedutoras da sexualidade infantil (edípica e narcísica) do paciente. E com as suas próprias! Vale lembrar que na história da Psicanálise são inúmeros os casos de analistas que se envolveram com suas pacientes, algo que motivou o mestre Freud a escrever artigos como “Recomendações aos médicos que exercem a Psicanálise” e “Sobre o amor transferencial”, por exemplo.

Assim, apesar do apelo dramático do filme, creio que ele serve bem a este propósito: o de propor um debate sobre como pode ser trágico o desfecho, tanto para o paciente quanto para o analista, quando o último encontra dificuldades para trabalhar com a transferência erótica (sempre infantil) que irá surgir na relação analítica.

Para uma discussão mais pormenorizada sobre o tema, sugiro a leitura de um interessante artigo escrito pelo psicanalista italiano Emanuele Bonasia em que ele argumenta que a Psicanálise, em muitos momentos, deixou de discutir a contratransferência erótica do analista em relação ao seu paciente (em grande parte pelo constrangimento que analistas em formação e já formados podem ter ao apresentarem seus desejos eróticos dirigidos a seus pacientes), algo que, segundo ele, contribuiu para o aumento das atuações nesse sentido por parte dos analistas.

Desta forma, creio que o filme “O método perigoso” pode ser uma ferramenta interessante para se discutir quais os perigos implicados no labor analítico para a dupla, pois, já está superada a visão freudiana de que o analista deve servir como um espelho que reflete única e exclusivamente o que mostra o paciente. Esta visão mais confortável e neutra do psicanalista, sentado confortavelmente em sua poltrona atrás do divã, foi sendo substituída paulatinamente na Psicanálise contemporânea por outra, que considera o analista também como um “animal assustado” na sala de análise, ou seja, muito mais vulnerável e humano do que pensava Freud.

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3 comentários em “Comentários sobre o filme “The dangerous method” (O método perigoso)”

  1. Explicação muito esclarecedora, que proporcionou uma maior compreensão da complexa Psicanálise.

  2. Adorei Ana.
    Comentamos sobre este filme essa semana…pena que ainda não está no cinema em Ribeirão.
    Bjs

    1. Pois é, Fernanda. Mas logo ele será exibido nas salas brasileiras… Vamos aguardar. Abraços para você.

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