Estou inaugurando este mês em meu blog uma nova e ousada atividade. No “Pergunte ao psicanalista” minha proposta será oferecer às pessoas a chance de conhecer a perspectiva e o modo habitual de conversar com um psicanalista.
Selecionarei uma pergunta por semana feita por uma pessoa no Portal MundoPsicologos.com ou então enviada diretamente a mim pelo e-mail e responderei à pessoa como se ela estivesse conversando com um psicanalista. Obviamente não se trata de substituir uma sessão de análise, pois isso não seria possível. Penso que este tipo de iniciativa pode ajudar as pessoas a terem um primeiro contato com o modo habitual de um psicanalista pensar e abordar as problemáticas humanas, modo que costuma ser diferente de outras modalidades psicológicas.
Responsabilidade social do psicanalista:
Em tempos de uso maciço da tecnologia, o psicanalista não pode se eximir de sua responsabilidade de ocupar estes espaços, o que significaria ele deixar de cumprir seu compromisso social e ético com o bem-estar comum.
Pergunta:
Nesta semana selecionei uma questão feita pela internauta Mônica. Ela pergunta:
Devo abordar o meu namorado sobre ele ver muita pornografia? Estamos juntos há 2 anos, e sei que ele consome muita pornografia quando estou trabalhando. Devo abordar o assunto? E se sim, como o faço?
Cara Mônica, eu imagino que para você expor algo tão sério acerca de sua intimidade é porque este problema com seu namorado tem tomado um grande espaço dentro da sua mente. Sabemos que a intimidade de um ser humano, assim como a intimidade de um casal é algo sagrado e que por esta sacralidade não podemos entrar nela de qualquer forma. Assim como não entramos de qualquer forma em uma igreja ou em santuário. Mas como você abriu as portas de sua intimidade em um espaço tão público e indiferenciado como a internet, senti-me autorizada a “entrar” em alguns dos sentimentos que você sugere em sua pergunta.
Primeiro, pude perceber que você está bastante preocupada e angustiada com a delicada situação do seu namorado. Em sua pergunta parece haver implícita uma percepção muito apurada de sua parte de que ele talvez possa estar doente, seriamente doente. Sua doença em sua perspectiva não é uma doença do corpo, mas uma doença da alma, algo que você sente o estar tomando por completo e de forma compulsiva: um vício que se coloca entre você e ele. Segundo você parece sentir, o seu namorado está substituindo você e uma relação real com você por uma relação artificial e precária em termos emocionais com a pornografia. Digo que esta é uma relação precária e artificial porque a “relação” com a pornografia implica em “relacionar-se” com personagens, homens e mulheres, que fingem prazer ou, dito de outro modo, que estão envolvidos em uma atividade sexual puramente evacuadora de onde está ausente qualquer sentimento de vinculação amorosa. É um sexo mecânico, evacuativo. Com isso vocês ficam sem qualquer possibilidade de estabelecer uma relação íntima e verdadeira. E isso por si só é muito angustiante já que o ser humano necessita, para permanecer saudável psiquicamente, de relações íntimas. Daí senti que parte da sua angústia advém do fato de que você sente que o seu namorado está afetivamente indisponível para você. E isso me leva a pensar sobre um segundo ponto.
Fiquei me indagando porque você está se submetendo a esta difícil situação há dois anos? Conjecturando sobre isso, arrisquei uma hipótese de que você talvez se sinta com uma autoestima muito baixa. Talvez, por sua autoestima baixa, você se sinta incapaz de: 1) conversar abertamente com ele e colocar seus limites; 2) averiguar consigo mesma se está disposta a permanecer numa relação em que o elemento intimidade e confiança estão sendo feridos; 3) imaginar-se sozinha efetivamente para, quem sabe, buscar relações de qualidade mais satisfatórias para você. Então, este parece ser o cerne de sua angústia. Pude intuir em seu comentário que você sente que se for falar com o seu namorado teme que ele se revolte ou brigue com você. Por isso, parece precisar pedir autorização de outras pessoas (dos psicólogos talvez?) para ter uma voz própria: uma voz que possa dizer a ele que não está gostando disso que ele está fazendo contra você e contra a relação de vocês.
Sugiro que você possa refletir sobre porque não pode se sentir autorizada a ter uma voz própria junto ao seu namorado? Ou porque não pode se sentir no direito de reinvindicar junto a ele o seu direito de ser respeitada? E de que modo isso pode estar sendo provocado por um sentimento de autoestima rebaixado de sua parte? Também fiquei com a impressão de que, no fundo de você mesma, você sabe o que deve fazer, mas tem medo de não ser capaz de sustentar o seu ponto de vista ou, como eu disse, de manter firme a sua própria voz. Talvez você sinta que isso signifique você ficar sozinha ou o namoro ter que terminar. Mas, pelo que pude compreender do seu dilema você está se sentindo bastante só, mesmo ao lado do seu namorado!
Se tiver oportunidade, não perca a chance de refletir sobre estas questões que poderão a te ajudar a resolver não só o dilema junto ao seu namorado, mas a se sentir mais confiante em outros aspectos da sua vida. Agora se você desejar entender um pouco melhor sobre a compulsão de seu namorado por pornografia, pode ler um texto meu em que falo sobre perversão. Forte abraço.