O homem forte

Qual a marca fundamental de um ser humano forte? O que é que se reconhece exatamente como sendo a força de uma pessoa?

Freud nos ajuda a pensar sobre isso.

Nas “Cinco lições de psicanálise” (1905) ele diz textualmente que um homem enérgico e vencedor é aquele que, pelo próprio esforço, consegue transformar em realidade seus castelos no ar.

Mas o que exatamente ele quer dizer com isso? O que seriam estes tais castelos que, no homem forte, são erguidos a partir do nada, do ar e que derivam de uma conjunção feliz entre circunstâncias externas favoráveis (Freud nunca deixou de considerar o elemento sorte) e de uma força interna descomunal?

Os castelos erguidos no ar são os nossos sonhos que carregam sempre a marca do selo infantil. Trata-se daquilo com que sonhamos no mais íntimo do nosso ser e que, quase sempre, não temos coragem de dizer a nós mesmos. Vai que se realiza? Estes castelos-sonhos, quando concretizados na realidade, causam prazer e angústia, satisfação e decepção, basicamente por dois motivos.

Primeiro, porque precisamos deixar para trás a nossa criança que só ousava sonhar, mas que nunca se imaginou efetivamente realizando seu sonho. Também, nesse sentido, precisamos deixar para trás os nossos pais da infância que porventura não tenham conseguido ir tão longe quanto nós. Este é o âmbito do sentimento inconsciente de culpa que é despertado a cada vez que ousamos desejar a felicidade e a alegria da realização. Este é ainda o âmbito das metamorfoses e das mudanças catastróficas descritas por Wilfred Bion que significam basicamente uma profunda alteração do nosso tamanho interno, ou seja, do nosso corpo psíquico. Um modelo acessível para representar tais processos é o da metamorfose da crisálida à borboleta.

Segundo, este crescimento trazido pela concretização de um sonho sempre comporta uma certa decepção. Por quê? Porque, como eu disse anteriormente, como estes sonhos carregam a marca do selo infantil, o castelo construído na realidade nunca será exatamente igual ao castelo sonhado da infância. Dito de outro modo, tudo aquilo que eu encontro na realidade nunca será exatamente igual ao que eu desejo no inconsciente. Foi isso que Freud quis dizer nos “Três ensaios” com o encontro do objeto é sempre um (re) encontro com o objeto primordial, reencontro que sempre comporta uma decepção.  

Quando se acredita alucinatoriamente que o castelo construído na realidade é exatamente o castelo infantil desejado um dos resultados possíveis é a pessoa estragar aquilo que construiu, já que não era bem aquilo que ela queria. Isso acontece com praticamente todas as realizações na vida; uma casa, um namorado ou marido, uma roupa, uma viagem, um filho, um trabalho, etc. Quando estava construindo meu castelo-casa pude ver exatamente a manifestação deste quadro em alguns de meus vizinhos que, não podendo tomar consciência de sua decepção e das manifestações decorrentes dela (raiva, frustração, desânimo), mal terminavam suas casas e já começavam a denegri-las.

Estamos neste segundo aspecto no âmbito da onipotência primária. Neste polo, o sujeito pensa que “a vida tem obrigação de me dar tudo aquilo que eu desejo” e não pode reconhecer o quão generosa a vida foi com ele, nem o quanto ele possui dons e potenciais que milhares de outros seres humanos não possuem.

Como psicanalista, escutamos esta intransigência e nos calamos. Mas não podemos deixar de pensar, com pesar, em como é preciso realmente elaborarmos psiquicamente a cada instante o nosso crescimento, para não cairmos na arrogância, nem na ingratidão.

Uma pessoa que não é psicanalista ou que não está sendo analisada costuma pensar, de um modo simplista, que basta ir lá e fazer. Ou, ela pensa ainda, desavisadamente, que os únicos percalços que a impedirão de realizar seu sonho são externos, quando na verdade, os maiores inimigos de nossos sonhos e da nossa alegria de viver estão dentro e não fora de nós.

Portanto, o homem forte é aquele que faz valer na realidade o seu direito por ter e ser aquilo que deseja. Mas para isso, saiba, terá que ter fibras de aço, e coração de seda, para suportar a dor inerente ao seu crescimento. Fibras de aço para não sucumbir ao seu desejo de desistir, que é sempre o mais fácil a fazer; coração de seda para acolher, com delicadeza e ternura, as lágrimas que terá que chorar por todos aqueles que ele ama e que ficaram para trás; coração de seda, maleável e fluído, para conter o fluxo ininterrupto da vida, pois, assim como aprendemos com Heráclito que não se entra duas vezes no mesmo rio, aprendemos com Freud e com Bion, respectivamente, que o inconsciente é atemporal e infinito e que, portanto, está aberta para nós a possibilidade de chegarmos às estrelas. Tudo dependerá de suportarmos ou não as vertigens da viagem.

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