Tenho como objetivo neste texto fazer uma tentativa de discriminar, a partir de vivências clínicas e cotidianas, a necessidade humana de criar uma entidade ideal que pode ser si mesmo, Deus ou um parceiro amoroso.
Freud, Klein e Winnicott apontaram em suas obras, de forma mais ou menos explícita, para o mecanismo da idealização que é natural quando o bebê começa a se relacionar com seus objetos de apego (no caso, a mãe).
No caso de Freud, ele aponta que esta idealização adviria do próprio narcisismo infantil (dos pais) que reveste a relação com o filho de uma atmosfera carregada de perfeição e de onipotência. Ele aponta que, na ausência do seio da mãe, o bebê irá criar um seio pra si, tamanha a intolerância do pequeno humano diante das frustrações.
Mais tarde, em Psicologia das Massas retoma esta idéia numa análise mais sociológica e aponta que o humano, diante de sua extrema dependência e fragilidade, particularmente diante da morte, tem a necessidade premente de criar e de acreditar em algo maior, onisciente e onipresente, quer seja em Deus, na Ciência ou em si mesmo.
Klein também aponta em seu livro Amor, Culpa e Reparação que a criança tem uma necessidade inata de acreditar num ser onipotente, para protegê-la de sua fragilidade humana.
Klein fala ainda que a idealização é um mecanismo de defesa que criamos para evitar entrar em contato com o nosso ódio diante do objeto, ódio este provocado, segundo ela, pela pulsão de morte inata em todos nós e pela frustração provocada no encontro com o outro.
Por fim, Winnicott lança mão da idéia de uma mãe suficientemente boa que irá encarnar para o bebê toda a idéia de perfeição e apresentar a ele o seio no exato momento em que ele o deseja, dando ao bebê a sensação dele próprio ter criado o seio. Chama isso de momento de ilusão.
Necessidade humana pelo ideal…
Vejam, então, que todos eles apontam para a necessidade humana de manter alguns ideais dentro de si.
Este anseio pelo ideal, se por um lado torna possível o apaixonamento, a criação de belíssimas obras de arte e as utopias e anseios por um mundo melhor, por exemplo, pode complicar e muito a nossa vida no dia a dia.
Por quê? Porque na realidade mesmo, todos nós e os nossos objetos de apego (dito de outro modo, as pessoas que gostamos), assim como a própria realidade, são falhos e nos frustam em muitas ocasiões.
A intolerância ao objeto frustrante (família, parceiro amoroso, professor, analista, etc.) anda conjuntamente com a idéia, muitas vezes mantida com muito custo, de que há um objeto ideal que, este sim, poderá suprir toda a falta e carência humana.
Mas será que este objeto
realmente existe?
De fato, por ser ideal, como o nome mesmo já diz, ele não existe. Só existe dentro da nossa cabeça!
Assim como numa relação amorosa: na medida em que conhecemos mais o outro, e nós mesmos na companhia deste outro, descobrimos aspectos que não são tão bonitinhos como esperávamos!
Então, o grande desafio é conseguirmos manter nosso amor em contato com o nosso ódio e frustração e suportar sentir tudo isso pela mesma pessoa!
Klein chama esta vivência de Posição Depressiva!
É só podendo vivenciar sentimentos contraditórios pela mesma pessoa que conseguiremos expandir nossa mente e nossa capacidade de sentir e de simbolizar, assim como ficaremos mais tolerantes conosco e com o outro pelas nossas humanidades e imperfeições…