Neste último domingo a Globo News exibiu, no quadro Dossiê Globo News, uma entrevista com o astronauta que mais tempo passou na Lua, o americano Eugene Cernan.
Em certo momento, quando o entrevistador perguntou a ele como fazia para lidar com a solidão do espaço, sem se perder no infinito, Eugene respondeu de forma segura e direta: levei comigo um relógio que me informava a hora de Boston.
Assim, quando olhava neste relógio e me assegurava de que na Terra o relógio marcava sete horas da manhã, sabia que minha netinha estava se levantando pra ir à escola. Então, olhava o sol e o via iluminar todo o continente. Amanhecia na Terra.
Quando, por outro lado, o relógio me informava ser nove da noite na Terra, sabia que minha netinha se preparava para dormir. Anoitecia na Terra!
O impacto emocional de se estar fora do Mundo:
Fiquei impactada ao me dar conta de quão profunda e desconhecida era aquela experiência que estava sendo narrada por ele, mas que, de alguma forma eu era capaz de apreender (não de compreender!): do infinito, do eterno, do nada, do sem fim, da ausência de tempo e espaço.
Certamente nós não paramos pra pensar nestas coisas no dia-a-da porque elas extrapolam qualquer capacidade racional de entendimento do mundo e da nossa condição finita e limitada de compreender o que é a realidade.
Mas, tais dimensões (ou ausências de dimensôes!) existem e, se nos abrirmos para chegarmos próximos, um pouquinho que seja, desta experiência em que as compreensões racionais falham, levamos um susto.
Compreensão estética do ser:
O que é o Universo? Como é experienciar a ausência de tempo e de espaço? O que é o Infinito? O que é o Nada?
Não é a toa que Eugene prontamente nos responde que se protegeu, na medida do possível de sua experiência impactante (ver o Mundo de fora), apegando-se em algo de sua realidade conhecida: o passar das horas na Terra (onde há um tempo “definido e palpável”, que nos dá uma sensação de continuidade e de limites definidos).
Após tentar digerir o impacto desta experiência estética (no sentido utilizado por Meltzer em seu livro “Apreensão do Belo”) pude pensar que tais experiências são vivamente sentidas pelos bebês e por vários de nossos pacientes, que possuem uma compreensão muito mais apurada de tais experiências estéticas, mas, que, muitas vezes, são extremamente angustiantes.
É a mesma apreensão compartilhada também por artistas e poetas, cuja capacidade de apreender o mundo extrapola racionalizações e palavras.
É o que Tustin nos narra em seu livro “Barreiras Autistas em Pacientes Neuróticos” com as experiências de esvaziamento, de perda das barreiras corporais, de cair no vazio e de ausência das dimensões temporais e espaciais, vivenciadas tanto pelos pacientes autistas, mas, também por todos nós, em alguma medida.
Experiências estéticas no bebê:
Se pensarmos que todos nós, enquanto bebês, experienciamos angústias ligadas ao Nada (que é diferente do vazio, cujo conceito já contempla barreiras, um dentro e um fora), à ausência de tempo e espaço, todos nós temos registros de tais experiências primitivas, vivenciada de forma muito crua por Eugene.
Não é a toa que, quando o repórter pergunta a ele o que mudou depois desta experiência, ele diz, novamente de forma direta e pronta: Nada! Eu não fico pensando nisso! Vivo no aqui e agora. Vivo o meu presente e o meu futuro!
Porque não é possível estarmos fixamos na Terra (numa certa noção de realidade linear, contínua e “segura”), conquistada com o desenvolvimento do psiquismo, se nos deixarmos inundar por uma experiência tão primitiva como esta de Eugene: olhar a Mundo de fora!
Por outro lado, creio que se perdemos esta capacidade de descolamento desta realidade compartilhada (tempo, espaço, finitude), perdemos também a capacidade de uma experiência estética, que comporta estranhamento e estupefação, como esta que eu tive assistindo a esta entrevista!
Enfim, perdemos nossa capacidade de nos maravilharmos com o desconhecido que é a nossa vida, a nossa morte, com a ausência de tempo e espaço e com tudo o que desconhecemos por completo!