Flávio e Pedro eram irmãos gêmeos. Disputaram desde sempre o mesmo ventre, o mesmo espaço, o mesmo amor. Nascidos, a mãe chegava a confundi-los de tão iguais que eram, exceto pelo gênio. É que Flávio era mais parecido com a mãe, segundo seus próprios dizeres e por conta disso ela o amava mais que ao outro. Apesar de tal realidade evidente, isso nunca lhe chegou à consciência:
– Imagina amar um filho mais que outro? Que pecado!
Já crescidos, ambos ingressaram na Universidade. E, como o destino não deixa por menos, o inevitável aconteceu. Flávio e Pedro apaixonaram-se pela mesma moça: a linda Dulcinéia.
– Adivinha quem ela escolheu?
– O Flávio. Óbvio! Ou você acha que o destino brinca em serviço?
Pedro, enlouquecido de tanta dor, não aguentou este golpe. Ao saber da escolha de Dulcinéia, esbofeteou a cara do irmão, quebrou-lhe o nariz e desapareceu para sempre em sua dor insana. Nunca mais se soube dele.
Ao ficar sabendo do sumiço do filho, a mãe, tentando disfarçar para si mesma o alívio secreto que invadia seu peito, disse:
– Coitado do Pedrinho. Sempre foi meio esquisito. Nunca entendi por que!
Depois do sumiço do irmão, Flávio e sua mãe foram seguindo como Deus queria. Flávio casou-se com a linda Dulcinéia em parte para evitar a matriarca, cada vez mais cinza e embruxada.
Sozinha em sua casa cinza, Joana foi enlouquecendo, mas era um enlouquecer difícil de ser detectado. Até a sua loucura era sorrateira, pouco honesta.
Cada vez mais sozinha e velha, nem morrer ela conseguia. Era arrogante demais para isso.
A casa em que ela morava, caso fosse uma pessoa, pareceria uma espécie de criatura horrenda com olhos escorrendo, não se sabe se de lágrimas a quem se negou a liberdade de se deixarem chorar, ou de susto por ter que abrigar alguém de alma tão embruxada.
Anos mais tarde, já bastante enlouquecida, eis que Joana tem uma visão, não se sabe se advinda de sua consciência um pouco aplacada pelo tempo ou de uma espécie de assombração saída do quinto dos infernos.
Era o seu filho Pedro que retornava para casa. Seu corpo espectral estava terrivelmente branco e de sua cabeça via-se um enorme furo de onde saía uma fumaça constante e eterna.
– Quem é você? Joana pergunta já sabendo a resposta.
– Não se lembra? Sou eu, Pedro, seu filho odiado.
– E o que faz aqui?
– Vim buscar-te.
– Para onde?
– Para lá de onde você nunca saiu.
Depois de dizer esta última frase, em tom filosófico e profético, Pedro soltou uma risada sinistra, daquelas de arrepiar a espinha. Depois, enganchou seus braços metálicos nos braços gordos de sua mãe, cena que lembrava um casal em marcha fúnebre. Os olhos de Joana se fecharam, pela primeira vez, em tom de leve submissão e ela então se deixou ir. Impossível saber o que motivou este leve e tímido fechar de pálpebras: a percepção aguda da tragédia ou o frenesi por estar se casando sob os auspícios do ódio.
O fato é que nunca mais se soube dela. A casa permanece fechada até hoje condenada a um choro eterno que nunca foi chorado. As boas línguas dizem que é mal assombrada.