Há uma beleza dolorida na cena que deve ter se repetido em muitos lares do mundo todo neste último domingo de Páscoa: mulheres, por vezes idosas, cansadas e com dores pelo corpo todo, cozinhando para seus filhos, netos e, quem sabe, bisnetos.
Com seus tachos e panelas enormes, estas mulheres fazem, com prazer ou não, o que talvez tenha sido a única coisa que lhes foi autorizado fazerem na vida, pelo menos em sua época: parir, cozinhar e alimentar sua prole.
Ouvi de uma delas, que cozinhou para um batalhão de familiares que nem sequer a ajudaram a lavar a louça depois, embora tenham levado farta comida nas famosas “marmitas de mãe” para suas casas ao final do domingo, que, afinal, apesar de exausta, a vida não valia a pena senão por estes raros momentos.
Achei esta sua fala bonita e triste ao mesmo tempo. Bonita por que mostra toda a sua generosidade natural de mulher que sente prazer em doar seu tempo, sua vida, seu corpo e seu esforço físico a alguém que ama.
Triste porque é muito pouco para uma vida ter como único sentido que lhe cabe aguardar pelos almoços de domingo de Páscoa.
Olhando para ela, fiquei pensando quantos talentos esta mulher deixou de descobrir em si; quantas outras possibilidades de realização para além da maternidade e do cuidado da casa lhe escaparam por entre os dedos, seja porque ela não teve coragem de romper com os padrões ou porque acreditou mesmo que isso lhe bastaria.
Toda mulher que já abriu os olhos minimamente para sua condição, tenha ela setenta ou quarenta anos, sabe o quão exaustivo e por vezes frustrante pode ser alimentar uma família de folgados.
Gasta-se muito tempo comprando e preparando o alimento, põe-se a mesa, senta-se, come-se, levanta-se e quase sempre caberá à mulher, às avós, às mães e às filhas quando as houver em casa, retirar a louça, lavar e guardar tudo; dali quatro ou cinco horas, começa-se tudo de novo. Sete dias por semana, trezentos e sessenta e cinco dias por ano…
Para as mais abastadas, para as que tiveram a sorte de estudar e ter uma profissão, livrando-se em parte do grosso do trabalho doméstico, o trabalho sobrará sempre para outra mulher, que cuidará dos nossos filhos, limpará nossas casas, fará nossas comidas e depois repetirá tudo, exatamente tudo, em seus próprios lares, à noite e aos finais de semana, quando já estão absolutamente exaustas e amortecidas pela repetição estéril deste trabalho sem fim.
Simone de Beauvoir dizia que o mais irritante e triste do trabalho repetitivo que se faz no lar é que ele não produz nada, não gera nada de valor para o mundo. Sua única função é lutar inutilmente contra a fatuidade da vida: limpa-se para se sujar de novo; come-se para defecar no minuto seguinte. Luta-se em vão contra a degradação que a própria vida gera para poder continuar a existir.
Lindo texto, doloroso pensar sobre essa realidade.