Na noite em que Helena soube da terrível notícia foi como se um vento frio e fúnebre percorresse toda a sua espinha dorsal. Naquele exato instante, ela sentiu-se desfalecer. Um ar gelado e inóspito sombreou sua alma, estado que perdurou durante todo o final de semana. Enquanto Pedro se debatia confusamente frente à notícia, pois tinha dificuldade enorme para se decidir se aquilo era bom ou ruim, motivo de alegria ou de imensa preocupação, Helena pôs-se a pensar de forma compenetrada porque reagira daquela maneira inesperada. Primeiro tentou dizer a si mesma que, afinal de contas, um bebê é sempre algo bom. Lembra esperança e renovação. Mas como sua alma não era afeita a romantismos, logo em seguida pensou consigo mesma, um pouco irada com sua tentativa de ser ingênua – coisa que nunca lhe caia muito bem – que bebês crescem e que coisas trágicas podem acontecer na vida de um infante sem que ninguém se aperceba disso. Decididamente, Helena não conseguia dar a si mesma pequenas e ilusórias alegrias mundanas que outras criaturas facilmente o faziam. Sua personalidade não deixava barato e isso lhe era mais um fardo do que uma dádiva: ela não se permitia não ir ao fundo de cada coisa.
Depois de se resignar por perceber que esta saída cor-de-rosa não lhe apaziguava o espírito, voltou à sua investigação selvagem. E a partir daí começou a compreender um pouco melhor o frio na espinha que sentira minutos antes, embora fosse verdade que o quebra-cabeça só iria se completar na segunda-feira pela manhã, logo após um sonho que tivera. Enquanto isso, era suportar este estado irritante de vazio. Mas, voltando aos motivos de seu frio na espinha, ela se lembrara, um pouco sem querer, logo depois que seu marido lhe deu a notícia, de que havia certa vez ouvido algo que lhe apavorara o espírito: uma mulher havia pedido a seu filho que fizesse um filho naquela noite e que, juntos, cuidariam da criança. Helena quase não se sustentou nas próprias pernas.
Diante disso, compreendeu o ar gelado que invadiu sua alma. Naquele instante se deu conta de que o sacrifício havia sido realizado: um infante seria entregue à mortalha. De onde viria essa fúria, Helena questionou-se confusamente. Depois, mais uma vez se negando a não ir ao fundo, lembrou-se que ela própria era mulher e por isso mesmo sabia que havia no interior de cada uma delas uma bruxa que, uma vez não podendo fazer as pazes com a sua condição, revoltava-se de forma humilhada e irascível, pedindo sacrifícios e matanças a quem se prestasse a ser devorado pela esfinge. Helena parou. Em seus olhos havia terror. Mas, ela mesma selvagem, suspirou fundo e decidiu continuar mais um pouco. A próxima pergunta seria: quem se submeteria ao sacrifício? E por que? Por que entregar-se com tanto gozo e ardor ao destino funesto? Por amor, por amor…um eco ruidoso insistia em responder. Mas que amor era esse que se entregava por sacrifício? Uma criança nascendo para logo mais morrer no caldeirão efervescente da bruxa marcada por insígnias fálicas: narigões, vassouras que espetam a alma, rabos. Tudo aquilo era decididamente muito sinistro. Acontece que todas estas ideias explodiam concomitantemente na cabeça de Helena. Imediatamente ela se deu conta de que advinha daí a sua repulsa à ideia de se ter um filho para Ser algo. Em sua condição selvagem, ela sentia que vinha dançando de muito perto com seus furos, com seus véus e suas lacunas, não sendo justo ter um filho sacrificial para cobrir seus próprios buracos. Buracos tão límpidos e criativos que a faziam sonhar à noite e gozar com seu homem. Por que não amar os buracos? Em seu corpo havia a marca. A marca do pecado original com o qual ela aprendera, dia a dia, a conviver fazendo-se Eva. Não se tratava – e ela sabia disso – de ser Eva, mas de se fazer Eva. Nisso ela pensava, residia o poder misterioso do feminino. Mas o que ela via acontecer naquele instante era o contrário disso: o filho do filho dando-se como pedaço de carne para ser mordido pela serpente, para preencher buracos primordiais, para fazer-se dejeto. Não, não, não! A natureza não podia ser tão terrivelmente cruel assim. Alguém deveria nos avisar antes da fecundação. Alguém deveria nos perguntar: Você quer? Você quer fazer parte do teatro? Por que descobrir-se fazendo parte de uma peça somente depois de trinta, quarenta anos? E o que fazer depois de se descobrir ator? O que haveria por trás da máscara? Nada? Nada? Nada… Só o furo. O buraco negro. Meu Deus, porque me abandonaste? – Esta era agora, para Helena, a única frase dotada de fundo sentido. O resto era resto. Rostos mascarados e negros vinham agora em direção à Helena que estava, ela própria, pequena. Naquele instante ela era devorada pelo furo. Devia entregar-se, ela sabia, mas era tão difícil. Tão sinistro, tão cavernoso. Seu corpo pequeno e branco relutava em ir, mas ao mesmo tempo uma força mortiça a puxava para frente. Finalmente, entregou-se. E ao se deixar, toda ela, seu corpo foi tomado por um êxtase frenético. Estremeceu toda. Mas não era o gozo que gozava nela. Era ela, ela toda, que gozava o gozo.
– Helena, Helena. Acorda. Era Pedro, seu marido, que a sacudia levemente pelo braço.
– Vamos, querida? Está na hora do nosso espetáculo.
– Sim. Helena respondeu. De seus lábios vertia um cheiro de rosa cálida; de seus olhos, um cheiro ocre de prazer consumado.