Qual o preço a ser pago pela liberdade? E pela não liberdade?

 

Para iniciar minhas reflexões sobre a liberdade inspiro-me no pensamento incrível proferido por Nelson Mandela, homem que lutou bravamente pela liberdade na África do Sul, ao ser preso: “Vocês podem tirar tudo de mim. Menos a minha liberdade de pensar”.

Mandela referia-se à liberdade mais incrível que um ser humano pode acessar (ao contrário de todos os outros animais) que é a consciência de si mesmo, de sua condição histórica e social, pois, só homens têm uma consciência política de sua existência!

Mas, por que me sinto tão blasé falando de consciência política nos dias atuais? Mandela infelizmente estava sendo otimista quando dizia que não é possível aprisionarem nossa capacidade de pensar, radicalizando a ideia de liberdade individual. Afinal, não foi Marx que nos ensinou que a alienação (impossibilidade do homem pensar e dar sentido à sua existência) pode sim ser gerada por um dado sistema econômico? Ou seja, para ele, nós não somos seres livres e determinados pelas nossas vontades, mas fruto de manipulações do capital sobre o desejo.

Tempos de guerra:

A meu ver vivemos hoje em tempos de guerra. Não me refiro às guerras feitas com armas, às guerras contra a fome e contra a miséria… Todas elas existem, sem sombra de dúvida. Mas, me refiro aqui a outra guerra, silenciosa, que age de forma subterrânea em nossas mentes fazendo-nos correr riscos terríveis: risco de perdermos de vista quem nós somos; risco de pararmos de nos perguntar por que eu faço isso ou aquilo. Enfim, corremos sérios riscos de nos bestializarmos. Já perceberam como nada mais nos abala? Mais um massacre nos Estados Unidos? Ah, vamos discutir a política do desarmamento. Não vejo discussão mais tola que essa. Sabem por quê? Porque esta discussão passa longe do problema estrutural que vivemos hoje não só nos Estados Unidos, mas no mundo todo, sobretudo na cultura ocidental. O problema terrível do individualismo, exacerbado e potencializado pela perversão do consumo. Se eu quero ter uma arma, o que é que o Estado tem a ver com isso? Quem é o Estado, a comunidade ou a nação para cercear o MEU desejo?

Conhecimento = co-nascimento:

Na academia e nos bancos escolares a coisa não é diferente porque tudo hoje passa pela lógica do mercado. Eu quero que você produza conhecimento para mim, dê mais aulas, produza mais. Triste ver como os bancos universitários estão se esquecendo de que conhecimento, segundo a minha querida Psicanálise, tem a ver com nascimento e para haver nascimento, de qualquer ideia que seja, é necessário que se suporte alguma dor. E quem é que está interessado em falar de dor nos dias de hoje? Dias em que se toma remédio para tudo? Em que se busca solução imediata para qualquer dor da alma?

Com isso, vamos produzindo (na família, na escola, nas empresas) pessoas incapazes de suportar qualquer dor / frustração, que funcionam como crianças vivendo sob a égide do princípio do prazer. Você não serve para mim? Eu te troco. Não fez o que eu mandei? Deleto você do meu registro mental.

Sei que estou sendo um pouco pessimista e sei também (e isso me alivia muito) que há ainda muitos nichos de resistência. Pessoas firmemente apegadas à realidade. Pessoas que não acreditam que o mundo vai acabar em dezembro de 2013 e que suportam a percepção de que há sempre muito, muito trabalho a ser feito. E, que como dizia o próprio Mandela, depois de uma montanha, há muitas outras a serem escaladas.

Qual o preço a ser pago por ser livre? E por não ser?

No título do artigo falo sobre o preço a ser pago pela liberdade e gostaria de retomar esta questão. Por que nos desalienarmos, processo que a meu ver é função preciosa de uma análise, é tão caro? Em todos os sentidos? Caro no sentido de valoroso, mas também de custoso, não só no sentido financeiro, mas, sobretudo emocional.

E a resposta mais simples que eu consigo dar é: por que tentarmos manter uma existência livre (vejam que digo tentarmos, não digo que vamos conseguir porque aqui o que importa é mais o estado de espírito do que o resultado final) é custoso para a mente humana.

Luta entre vida e morte, entre pensamento e paralisia:

Penso que quando Freud nos ensinou lindamente sobre o a luta ferrenha que habita em nós entre as pulsões de vida (Eros) e de morte (Tanatos) ele estava falando exatamente disso. Do ponto de vista conceitual, Eros pode ser compreendido como um impulso de ligação, de agregação. Já Tanatos representa as forças pulsionais de desligamento, ou seja, que tendem a levar o sujeito de volta à inércia, ao estado zero de tensão, que em última instância corresponde à morte.

Desta forma, Freud chama a atenção que dentro de cada um de nós há uma luta ferrenha e constante entre o desejo de construir, de agregar e o desejo de retorno à inércia ou ao estado nirvânico, como ele chama. A questão é que pensamentos verdadeiros que nascem de uma alma que se deseja livre só podem ser gestados pela pulsão de vida e não pela pulsão de morte. Por isso é que estamos sempre às voltas com sentimentos de esperança e de desesperança, com os quais temos que lutar internamente.

Somado a isso temos outros desafios que precisamos suportar: percepção da nossa consciência mortal e finita; percepção da nossa fragilidade, da fragilidade do nosso corpo e dos nossos vínculos. Ufa, é coisa demais para a mente suportar…

E quando mais livre (menos anestesiada) a pessoa vive, mas ela tem que suportar estas pressões internas e externas. Penso que é por isso que a passagem bíblica, que me parece tão verdadeira diz: “A quem muito foi dado, muito será exigido”.

Por isso, a liberdade nos cobra um alto preço, é verdade. Mas, eu pergunto a vocês. E a não liberdade? Qual o preço que pagamos por ela? Qual o preço que pagamos por não vivermos com paixão? Por vivermos levando com a barriga, tocando a vida “como Deus quer”? Sem sombra de dúvida, eu posso garantir a vocês que o preço a ser pago quando se vende a alma é muito, muito mais caro. Por aí, paga-se com a vida, com a mente, com a alma. E isso, meu caro, é tudo o que temos para fazer a vida valer a pena.

Sem alma, sem paixão, sem luta, não há motivação para a vida. Há só a morte – morte em vida.

A questão é que estamos sempre tendo que fazer esta escolha: arcar com o custo da liberdade ou com o custo ainda maior da ausência dela. Qual você vai escolher hoje?

3 comentários em “Qual o preço a ser pago pela liberdade? E pela não liberdade?”

  1. Ola adorei esta reflexao…com certeza crescer e assumir responsabilidades,exige esforcos gera dores.Mas e gratificante quando colhemos o fruto dos nossos esforcos olhamos para tras e podemos ver que tudo valeu a pena incluzive pagar o preco por sermos livres e nos mesmos.

    1. Regina, obrigada pelos comentários. E quando quiser, fique à vontade para visitar o blog e deixar suas impressões. Forte abraço.

  2. Ah e agradeco muito suas informacoes sobre as funcoes desempenhadaspela sua area de trabalho pois tenho interesse em investir futuramente na psicologia,este site esta sendo uma luz indicando os caminhos e os passos necessarios para chegar ao meu objetivo.Obrigada.

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